quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Especialistas questionam o "brilhante conceito" do Avastin, após resultados fracos de estudos clínicos

A Bloomberg trouxe ontem uma discussão de especialistas sobre os reais benefícios do uso do Bevacizumabe (nome comercial Avastin) em vários tipos de câncer.
O Bevacizumabe foi visto inicialmente como uma forma inovadora e brilhante de atacar as células tumorais: privando-as do fluxo sanguíneo. Como droga atuante na angiogênese (formação de microvasos sanguíneos), estudos iniciais demonstraram que realmente havia diminuição da circulação sanguinea tumoral, após a aplicação do medicamento. Esperava-se também a ausência de efeitos colaterais...
O problema foram os resultados de estudos clínicos mais bem conduzidos, e que compararam pacientes com vários tipos de câncer que utilizaram o Avastin em combinação com quimioterapia, com pacientes semelhantes mas que receberam somente quimioterapia, sem o Avastin.
A discussão dos especialistas sugere que os benefícios encontrados foram pequenos, não clinicamente significantes. E que os riscos do uso do Avastin são problemáticos - os principais efeitos colaterais encontrados foram aumento do risco de sangramentos, trombose e perfurações intestinais. Apesar de não muito comuns, os efeitos colaterais encontrados colocam em risco a vida dos pacientes, e frequentemente aparecem de forma súbita.
O Avastin é hoje uma das drogas mais rentáveis da indústria farmacêutica, gerando no mundo uma receita anual de cerca de quase 7 bilhões de dólares à Roche, sua fabricante. É também um dos principais problemas dos planos de saúde no Brasil e em outros países do mundo, devido ao seu altíssimo custo. Logicamente, esse custo se deve ao caráter inovador do medicamento, mas também à agressiva estratégia de marketing do seu fabricante.
O Avastin é hoje aprovado pela ANVISA no Brasil para ser associado à quimioterapia em pacientes com câncer avançado de colon, pulmão e mama. Com a demonstração das limitações do medicamento, nos dias de hoje, é provável que a discussão se estenda mais, e que se criem mais limitações para seu uso.
Também será necessária a discussão de formas mais responsáveis de avaliação de novas drogas e tecnologias, com ponderação baseada em boas evidências científicas. Somente assim será possível, antes de expor pacientes a riscos desnecessários, avaliar de forma correta a relação risco/benefício de novas terapias contra o câncer.
O CEVON (Centro de Evidências em Oncologia), da UNICAMP, é um dos centros de pesquisa no Brasil que tem como missão tentar fazer essas avaliações de tecnologia, e ajudar a sociedade médica e científica a se manter atualizada, porém com responsabilidade e baseada sempre nas melhores evidências disponíveis. Como coordenador deste centro, acredito que a educação médica é a principal forma de lidarmos com estes questionamentos. Um médico bem informado e crítico pode repassar essas informações sobre riscos/benefícios para cada um de seus pacientes, e decidir em conjunto a melhor terapia, individualmente .

Para quem quiser ler a discussão completa, em inglês, clique aqui.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Aspirina pode diminuir o risco de morte por Câncer

No mundo moderno, o risco de se desenvolver um câncer ao longo da vida é da ordem de 40% e vem aumentando rapidamente. Só na Europa são 3,2 milhões de novos casos todos os anos, com 1,7 milhões de mortes. A previsão do Instituto Nacional do Câncer (INCA) para o Brasil em 2011 são de 500 mil novos casos. Apesar do desenvolvimento de novas drogas para o tratamento, não surgiram nos últimos anos medicações de grande impacto na prevenção do câncer. Em estudos com modelos animais a aspirina se mostrou eficaz em diminuir a incidência de vários tipos de tumores. No entanto, nos estudos com humanos os dados eram conflitantes, parecendo haver relação entre uso de aspirina e menor incidência de adenomas benignos (lesões pré-malignas em intestino), mas sem evidências claras na diminuição da incidência e morte por câncer.

Estudo recente publicado na edição de janeiro da revista médica inglesa The Lancet sugere que o uso diário de aspirina por 5 anos ou mais poderia reduzir o risco de morte por vários tipos de neoplasias. Essa é a conclusão de uma análise de vários estudos que primariamente tinham como objetivo avaliar essa medicação na prevenção de eventos cardiovasculares. Os pesquisadores analisaram de forma agrupada oito estudos randomizados (com um total de 25.570 pacientes) onde os pacientes eram alocados para receber aspirina diariamente ou placebo ou outro antiplaquetário, com duração mínima de quatro anos. Esses pacientes foram acompanhados durante o estudo e após o término dos mesmos por até 20 anos e aqueles que morreram durante o estudo ou follow-up tinham a causa da morte determinada.

Os dados desta publicação mostraram que os pacientes que receberam aspirina diariamente morreram menos por câncer. O beneficio da aspirina começa a aparecer apenas após 5 anos do seu uso e parece ter diminuído as mortes por câncer não apenas de trato gastrointestinal, mas também de outros tumores , como de cérebro, pulmão e próstata. No entanto não teve impacto na redução de outros tumores, como as doenças malignas hematológicas. A redução do risco de morte por câncer nos pacientes que usaram aspirina foi de 33%, sendo uma redução de 54% para os tumores gastrointestinais, com as maiores quedas observadas em esôfago e intestino. Mesmo após 20 anos de seguimento os benefícios da aspirina se mantiveram.

A redução de morte por alguns tumores só foi observada tardiamente, como no caso de tumores de pâncreas após sete anos e tumores de estômago e intestino após dez anos. Os resultados independem do sexo, da raça, se o paciente fumava ou não e da dose de aspirina usada (mínimo de 75 mg/dia). Mas o impacto foi maior nos pacientes com mais de 65 anos e quanto maior o tempo de uso da aspirina. Além disso, os resultados foram semelhantes entre os oito estudos, sugerindo maior consistência dos dados.

No entanto, é preciso considerar algumas limitações e alguns possíveis vieses que podem ter interferindo no resultado. Primeiramente, esses estudos não foram desenhados para determinar o impacto da aspirina na incidência e mortalidade por câncer e sim o seu efeito relacionado a eventos cardiovasculares. Além disso, a maior incidência de anemia e sangramento no grupo da aspirina pode ter levado a uma maior investigação e detecção precoce de câncer. E finalmente, houve uma redução em todas as causas de morte no grupo da aspirina e não somente por neoplasia. Isso significa que novos estudos precisam ser realizados na tentativa de determinar de forma consistente e definitiva o beneficio da aspirina na prevenção do câncer.

Mas esse é o primeiro grande estudo que mostrou haver diminuição na incidência e mortalidade de diversos tipos de neoplasias solidas, não apenas tumores intestinais, em pacientes que fizeram uso de aspirina por no mínimo 5 anos. Além disso, esse beneficio não foi encontrado em nenhum outro agente antiplaquetário, o que coloca a aspirina como uma droga potencialmente efetiva na prevenção de mortes por câncer.

Resenha de artigo publicado no Lancet. 2011 Jan 1;377(9759):31-41.

Por Vinicius Correa da Conceição - médico oncologista do Instituto do Radium de Campinas e do Hospital Vera Cruz de Campinas